O diplomata que virou um funcionário público

Lembro dos últimos dias do instituto em 2006 onde estava conversando com um adolescente que se orgulhava de ter uma vasta condição intelectual por ter uma ascendência francesa e que estava disposto a ser um diplomata. Em 2019, eu encontrei ele em uma autarquia pública. Estava regularizando a minha situação e com o livro Máquinas como eu, de Ian McEwan, nas mãos e mostrei para uma colega. Ele não me reconheceu. Mas ele era chamado de Robô.

Isso me vem a mente porque eu lhe chamei de robô por ser um sujeito muito mecanizado. Ele queria ser o meu mentor assim como tantos senhores tentaram e falharam miseravelmente. A explicação pra isso é que eu sou aspie e sempre fui contra tutela a minha pessoa ao encontrar pessoas que desejavam ter um controle sobre mim por uma necessidade de se gabar de ser o pai do menino bonito como é comum no esporte a motor.

Ele foi cruel com uma amiga de uma colega minha. Ela sofreu um acidente e teve o seu rosto ferido. Em uma discussão, ele perguntou a ela sobre seu sorriso de forma irônica e cruel. Isso me fez ter uma antipatia por tal crueldade a alguém que sofreu um trauma cuja as cicatrizes permanecem para sempre tanto em seu corpo quanto em sua memória. Eu usei o apelido robô quando lhe encontrei em 2008 quando fui ao instituto pra fazer o meu tcc.

Eu precisava fazer um DFD para o TCC. Como não tinha estrutura em casa. Usava os computadores da escola no horário da manhã para organizar o diagrama de fluxo de dados de um sistema automatizado de uma papelaria de um amigo da família de uma colega minha. Eu estava no corredor quando fui reconhecido por amigos e amigas. Ele e um colega tentaram fazer uma aposta pra ver se lembrava deles na multidão. Eu fiquei na minha.

Naquele dia de 2019. Eu estava resolvendo um contratempo burocrático enquanto ele tentava organizar a fila da autarquia. Não parecia aquele jovem que sonhava em ser diplomata ou psicólogo que lia O monge e o executivo. Era mais um funcionário público que almejou um cargo para ter estabilidade financeira como acontece nas cidades do interior. Enquanto a mim, me mantive calado por ser aspie por mais que a colega dele estava com um livro para uma gozação irônica e cruel.

Ser uma criança aspie

No ano passado, um colega do Educere me chamou para um grupo no Whatsapp pra combinar um reencontro da nossa turma. Eu estava empolgado, mas a minha mãe me lembrou que um pessoal me fez sofrer na escola onde chegava esgotado em caso com nervos a flor da pele. Então, decidi declinar o convite por não ter muita paciência com talheres entre outros jogos de louça usado em um restaurante no momento.

Eu era o aspie da turma…..

Nós tínhamos alunos estudiosos com boas médias no boletim escolar no Educere. Mas eu era uma espécie de doutor spock das aulas de geografia e história. Os meus colegas me zoavam por que eu tinha uma boa pronúncia em francês quando líamos um texto da ocupação francesa no Rio de Janeiro e no Nordeste nos tempos do Brasil Colônia. Isso era elogiado pela minha professora de História em público pra toda sala.

Lembro de uma professora de geografia que trabalhava no conselho tutelar. Quando ela estava olhando o mapa do oceano pacífico. Eu lhe falei da batalha de Midway entre os americanos e japoneses na segunda guerra mundial. Então, ela fez uma anotação no livro de professor sobre a minha observação. Isso era um espanto desconhecido para os meus colegas naquele momento onde travavam uma subversão sobre fotos de animes.

Nisso faço uma ostpolitik das sombras comprando revistas de carro que não levava pro Educere. Meus colegas estavam tentando namorar as escondidas o que era proibido na escola por causa do regime stalinista por meio do medo e da supressão de nossas vontades. Eu não me preocupava com isso porque tinha uma fala mais madura e conversava com as estagiárias e o namorados das minhas professoras por coragem minha.

Meus amigos de 60 anos me entendiam bem junto com os meus tios santistas e as minhas tias maternas. Meu pai e minha mãe me ajudavam com isso mesmo vivendo separados. Meus colegas ficavam desconcertados por não verem meu pai quando ele ia me buscar em caso de emergência ou quando podia sair mais cedo. Ele sempre me perguntava da faculdade com o senso de humor dele. Ele não sabia que eu era aspie.

Os heróis de adolescentes frustrados

Eu convivi com adolescentes adeptos da teoria junguiana. Muitos queriam ser aspies por se acharem estranhos por não ter uma convivência social. Porém, não tinham um diagnóstico de um terapeuta a respeito disso que eles faziam sua auto declaração. Então, ficavam se perguntando para o único aspie que conheciam porque ele tinha feito tratamento para a síndrome de asperger durante toda a sua vida.

O aspie em questão sou eu…

A culpa não é da sociedade ou de seus pais. Não tem um culpado. Muitas pessoas estão descobrindo os diagnósticos de autismo em idade avançada como o ator britânico Anthony Hopkins aos 83 anos. O que aconteceu é que a literatura adolescente criou um encanto em torno de ser aspie por ver vários jovens não se encontrarem no mundo junto com as distopias sobre esse grupo de adultos da minha idade no momento.

Para mim, não há um glamour em ser aspie. Minha vida infantil não foi fácil por lidar em um momento da sociedade onde se tinha a necessidade de fazer amigos. Minha mãe lidava bem com isso porque percebeu que não dava certo em festas de filhos de suas amigas e no Educere. Invés de me consertar. Ela resolveu me ajudar com o mundo por meio de nossas conversas com as minhas psicólogas e indo nas bancas pra comprar os especiais da quatro rodas.

Ela ficava preocupada se caso eu fosse a uma balada adolescente por não estar apto a isso. Porém, eu passei uma noite fora em um acampamento onde eu fiquei na chácara conversando com os meus amigos de instituto para uma despedida. Eu não fui incomodado pelo pessoal por já me conhecerem e vários colegas faziam companhia para mim para não me sentisse sozinho mesmo eles não sabendo que eu era aspie.

Hoje, me sinto melhor porque já conheço isso por ser neurodiverso. Os aspies e autistas estão ajudando os terapeutas com novos estudos tanto médicos quanto psicológicos onde podemos estabelecer um protocolo mais claro e atualizado sobre o autismo. Ao mesmo tempo onde os nossos relatos possam permitir uma ampla reflexão sobre nossas questões pessoais.

Mas não contem isso para os adolescentes normalopatas que desejam justificar a sua necessidade de ser estranho sem um diagnóstico com farta evidência empírica sobre o assunto….

Um professor e o eu estranho

As escolas tem sido o campo de batalha de questões políticas, sociais e comportamentais. Lembro do meu grande mestre Adhemar me falar sobre eu ser aspie em 2006 após ele ter visto uma matéria do fantástico sobre a síndrome de asperger que é uma espécie de autismo leve. Eu sou autista com farta documentação médica por eu passar por tratamentos desde criança. Hoje, me sinto bem feliz com isso por falar disso.

Hoje, conversei com um comerciante quando a minha mãe me levou para comprar um par de tênis junto com chinelos para poder sair. O senhor me perguntava a minha idade por eu ter o hábito de ler jornal e ouvir a BBC radio four. Porém, leio a folha e vejo o relato de colunista que ficava com medo por sofrer preconceito por ser gay e negro na adolescência. No Twitter, um perfil de um podcast sobre filmes de terror se denominava os integrantes como gays.

Os adolescentes e jovens adultos de hoje se sentem desconfortáveis com o mundo. Para um aspie como eu. Tal desconforto foi sentido nas vezes que não tinha com quem conversar. Mas isso se dissipou foi justamente com as pessoas mais velhas como os meus amigos de 60 anos junto com os meus professores. O sentimento de um mundo hostil deu lugar para uma ostpolitik perante a realidade em minha volta.

Convivia com as figuras políticas em minhas leituras como o ex-presidentes franceses como Valery Giscard D’Estaing e François Mitterrand por que ouvia os comentários do saudoso correspondente da saudosa rádio Jovem Pan em Paris Reali Jr. Meus amigos não se incomodavam com isso e isto me fez respeitado por ter um hábito de ler e ajudava os outros trocando ideias sobre o mundo e a humanidade como faço até hoje.

Hoje, o mundo está muito segmentado em tribos ou correntes de pensamento. Em 2006, Adhemar conversava comigo sobre os meus interesses em diversas áreas enquanto eu ia ver o meu amigo Alexandre, que era um professor da fatec que ficava na minha escola pública. Eu digo que estamos em um momento de hostilidade que não se dissipa sem uma abertura e uma distensão política por um eu estranho.